Privar-se do sono é algo que fazemos com uma frequência
muito maior desde o surgimento da internet. Digo isso, pois ter uma conexão
discada que baixava 40Mb de dados a 3Kbps era um teste de paciência e
perseverança. Imagina ver pornô com essa conexão? Muito antes do filme passar
da metade do download já teria sido possível atingir o orgasmo numa quantidades
de vezes que respeitaria as regras da sequência de Fibonacci. Porém, como bons
internautas que somos (e brasileiros) a gente não desiste nunca e espera até
terminar o download e perceber que um nerd sacana nomeou um filme infantil como
“Jesse Jane – Heat”. E o inverso também acontece nos torrents até hoje. Enfim,
divago...
A internet nos ajudou muito com as comunicações. Não
precisamos mais utilizar meios menos eficientes como cartas e telegramas. Hoje
temos, respectivamente, e-mail e twitter. Ou grunhimos ou dissertamos longos
parágrafos em listas cujas pessoas certamente são menos ocupadas que nós. E por
falar em “dissertar”, eu queria chamar a atenção para o argumento central deste
texto que é a urgência. Se o meio de comunicação é praticamente instantâneo,
então podemos encurtar também os prazos. Ou seja, se você leva uns 30 minutos
para elaborar uma redação (de 20 linhas) e precisa apenas digitá-la (escrever
toma muito mais tempo e habilidade), então a entrega da sua tarefa pode
ser...amanhã! E lá sei vai suas preciosas horas de sono para cumprir os prazos
que nossos professores/chefes/[pessoa hierarquicamente mais foda que você]
exigem sem a menor idéia de que aquilo é só um décimo das nossas tarefas
diárias. Sabe aquela piada inescrupulosa que diz “use aquele tempo livre entre
a meia noite e as seis”? É exatamente esse tempinho que você usará sempre à
partir do momento que entrar na faculdade ou assumir cargos de responsabilidade
no seu trabalho.
A privação de sono nos causa danos que não são (na maioria
das vezes) irreversíveis, mas certamente são bastante chatos enquanto ainda
estão fazendo efeito no nosso cérebro e corpo. Olheiras, rosto inchado,
sonolência e reflexos prejudicados são alguns dos sintomas mais típicos. O
retardo mental que sofremos por dormir apenas 3 ou 4 horas por noite in a row
vai nos assombrar o resto da vida, ou pelo menos, até o dia em que nossos
colegas esqueçam as burradas que fizemos por estarmos menos alertas que o
habitual.
Os efeitos da privação do sono vão ainda além do que nosso
olho enxerga. Ficar várias noites dormindo pouco ou levar uma vida de quem não
dorme pode acelerar os efeitos negativos do envelhecimento, prejudicar a
memória e afetar sensivelmente o humor. Normalmente a pessoa que não dorme bem
tem uma tendência maior a ser ranzinza ou depressiva (ou ambos), tem déficit de
atenção (ou seja, a famosa lerdeza) e acaba ficando com uma aparência de anos
mais velha do que realmente é.
Ainda há o fato de que não somente as outras pessoas nos
sabotam com prazos, como também nós acabamos nos impondo limites cada vez mais
distantes de sobrecarga de trabalho. Agimos como se pudéssemos realizar tudo em
24h ou durante 24h/dia durante semanas. Esquecemos que para chegarmos nesse
estágio de evolução ainda falta alguns bons anos e talvez um enorme avanço da
indústria farmacêutica para que possamos fazer estas façanhas sem arruinar
nossos preciosos neurônios. Até lá continuamos pensando que somos seres
robotizados capazes de qualquer coisa.
Não há nada pior do que querer estudar pra uma prova estando
completamente sonolento. Você precisa ler várias vezes o mesmo parágrafo
(dependendo da disciplina) para que ele faça algum sentido. Às vezes lemos um
texto inteiro achando que memorizamos tudo e, no dia da prova, lembramos de
meio parágrafo ou nem isso. Este efeito acontece porque nossas habilidades
cognitivas ficam bastante prejudicadas e o nível de cansaço é diretamente
proporcional à nossa incapacidade de armazenar conteúdos. É como querer fazer
um teste de QI às três da manhã, sendo que você já veio de outras noites mal
dormidas. Seu resultado poderá ser comparado com o de um macaco senil. Uma vez
uma amiga minha me disse uma sábia frase: “mente sob stress não pensa”. E isso
faz todo o sentido quando sentimos na pele os efeitos de uma semana de provas
com noites e mais noites em claro.
Nosso cérebro atua de uma maneira muito interessante quando
nos privamos de dormir. Ao contrário de diminuir a sua atividade, ele a aumenta
para compensar os efeitos do cansaço. Por exemplo, se você tiver uma folha de
cálculos para fazer, o cérebro tentará aumentar a atividade em uma determinada
área para que você não seja um completo fracasso na sua tarefa. Porém, isso não
quer dizer que fazer cálculos com sonolência irá fazer você ir bem na prova.
Muito pelo contrário, o aumento da atividade não quer dizer, necessariamente,
que você terá êxito na sua tarefa. Seu cérebro estará apenas tentando compensar
o cansaço.
Se você acha que passar noites em claro não fará nada com
seu corpo e seu cérebro, você devia repensar seus atos com grande urgência.
Certamente que entregar uma tarefa no prazo realmente nos traz uma sensação de
satisfação muito boa, porém os sacrifícios nem sempre compensam. É claro que
falar é fácil, pois a realidade continua acontecendo lá fora e nos sugando
todos os nossos minutos livres, porém é importante que estejamos conscientes de
que a quantidade de trabalho que nos impomos é diretamente proporcional ao
nosso envelhecimento precoce. No final das contas, não adianta muito também
trabalharmos como burros de carga agora para aproveitarmos apenas na nossa
velhice, quando já não pudermos fazer nada de divertido porque nossa saúde
ficou lá atrás, junto com as noites mal dormidas. Talvez um dia conseguiremos
alcançar o tão falado “equilíbrio” entre a nossa sanidade mental e a nossa
avidez por fazer cada vez mais coisas ao mesmo tempo. Até lá, continuaremos
dormindo pouco e reclamando que, mais uma vez, o dia já amanheceu.